quinta-feira, 14 de agosto de 2014

NOTA: A POLÍTICA DA PRISÃO E A PRISÃO DA POLÍTICA

 

"Todo camburão tem um pouco de navio negreiro..."


A política da prisão e a prisão da política – nota da Rede 2 de Outubro sobre as detenções de ativistas e da população pobre e preta no Brasil

A violência sistemática empregue pelo sistema penal se tornou mais evidente à classe média desde que as lutas travadas nas ruas se intensificaram em junho do ano passado.

De lá para cá, o Estado estendeu seu aparato repressor contra todas as pessoas  que se prontificam a atuar politicamente fora dos caducos espaços institucionais, demarcados para o exercício da “grande política”, processo que foi acentuado pelo espetáculo futebolístico neoliberal promovido pela FIFA, com sua inerente política de lei e ordem.

O resultado é a atual criminalização dos movimentos sociais e a identificação do “vândalo” como mais um inimigo público. Estudantes e professores universitários voltam a ser alvos de prisões e torturas. As sessões de socos e chutes pelas quais passaram Fábio Hideki, Rafael Marques e Murilo Magalhães e o inquérito persecutório sobre Camila Jourdan são apenas alguns exemplos.
 
Massacre do Carandiru - 2 de outubro de 1992
Entretanto, os encarceramentos arbitrários e espancamentos efetuados em delegacias, penitenciárias, prisões para jovens e nas ruas e vielas das grandes cidades são práticas já bem conhecidas pela população marginalizada brasileira. Não é de hoje que agentes policiais surram pessoas jovens e adultas, pretas e pobres e depositam seus corpos vivos ou quase vivos em pocilgas fétidas superlotadas que constituem o gigantesco parque carcerário do país, o terceiro maior do planeta. Atualmente, são mais de 700 mil pessoas presas no Brasil, das quais mais de 60% são negros.
 
Também não é de hoje que o Estado brasileiro prende sem provas e mantém centenas de milhares de pessoas encarceradas sem condenação definitiva (quase metade da população prisional brasileira está nessa situação). Em 2012, somente entre as pessoas presas provisoriamente, mais de 70% sofreram algum tipo de agressão policial no instante em que foram capturadas.

As prisões de ativistas ao longo dos últimos meses escancaram os procedimentos diários do sistema de justiça. Espantados, muitos manifestantes reclamam o caráter político das perseguições e aprisionamentos, invocando a velha distinção entre preso político e preso comum. Parecem querer reservar a si os aspectos injustos da clausura, do sequestro estatal e das agressões físicas que obrigatoriamente o acompanham.

É necessário lembrar, no entanto, que o sistema penal, ao contrário do que é oficialmente propagado, não existe para combater a criminalidade, mas sim para controlar e dividir o povo preto que sobrevive às precariedades das quebradas e que, organizado, poderia derrubar esse sistema de injustiças que nos massacra todos os dias.

A prisão é um instrumento político por excelência. Basta olhar um pouco mais de perto aquelas e aqueles que a ela são enviada/os: em sua imensa maioria, por acusação de pequeno tráfico de drogas ou dos chamados “crimes contra o patrimônio”. No primeiro caso, desdobramento direto de uma política proibicionista que tira daí o seu próprio lucro. No segundo, expressão concreta da defesa da propriedade privada que, no capitalismo, vale mais do que a liberdade de mais de 200 mil “favelados”, “muleques de rua”, “más mães” ou “indigentes” sob privação de liberdade atualmente por furtos ou roubos.
 
Mumia Abu Jamal
Se a prisão é uma estratégia política de contenção e eliminação física de pessoas indesejadas pela alta sociedade, está claro o bastante que toda prisão é uma prisão política. As abomináveis prisões de ativistas no Brasil somam-se às abomináveis prisões que recaem histórica e infalivelmente sobre a população pobre do país. A revisitada criminalização dos movimentos sociais junta-se à velha criminalização da miséria.

Convém, portanto, àquelas e àqueles que lutam por uma sociedade sem classes e opressões, que se unam, desde baixo, à luta e à resistência contra o sistema penal e contra o genocídio que por meio daquele segue em fúnebre marcha. Por uma vida sem classes, grades, racismo e machismo, provocamos todas as companheiras e todos os companheiros a abdicarem das pequenas tentações liberais e a se engajarem na desconstrução da seletividade desde as práticas militantes.


Liberdade ao povo pobre já!

Liberdade a todas as pessoas presas!

Por uma vida sem grades e sem opressões!