quarta-feira, 13 de junho de 2012

Prisão em flagrante é a arma do Poder Público para controlar os mais vulneráveis

Folha de S. Paulo - SP
Bandido sem arma é maioria dos presos em flagrante, diz ONG
Análise da cidade mostra que maior parte atinge 'pé de chinelo'

LAURA CAPRIGLIONE
DE SÃO PAULO

Pesquisa inédita realizada pelo Instituto Sou da Paz em 4.559 casos de flagrantes por crimes dolosos ocorridos na cidade de São Paulo entre abril e junho de 2011 mostrou que se prende, em sua maioria, o sujeito com baixo potencial ofensivo, o microbandido, o pé de chinelo. Às vezes nem isso.

E que, diferentemente do que sustenta o ditado popular -"A polícia prende e a Justiça solta"-, a disposição primeira dos juízes é manter o preso atrás das grades, antes mesmo da apresentação da denúncia pelo Ministério Público e, claro, de uma condenação.

Em apenas 17,8% dos casos, os seis juízes do Dipo (Departamento de Inquéritos Policiais e Corregedoria da Polícia Judiciária da Capital), órgão que centraliza todos os inquéritos e os autos de prisão em flagrante para os crimes puníveis com reclusão, concederam liberdade provisória aos presos.

Em 1,48% dos casos, o Dipo relaxou o flagrante, ou seja, anulou-o por ilegalidade.

Segundo a pesquisa, mais de 65% dos flagrantes têm só um autor (não implicam organização em quadrilhas); 88% dos flagrantes de tráfico de maconha dizem respeito a menos de 100 g; no caso da cocaína, 77% foram com um máximo de 100 g.

O Sou da Paz diz que esses flagrantes lotam os Centros de Detenção Provisória, com um custo social altíssimo e uma exigência crescente de investimento público, sem atingir o coração do crime.

A ONG tem vários dados para sustentar sua tese. Por exemplo: em 57% dos casos, a polícia encontrou com os supostos traficantes menos de R$ 100 em dinheiro; em 72% dos flagrantes, nenhum tipo de arma foi usada.

Na cidade de São Paulo, quatro em cada cinco prisões são feitas pela via do flagrante. Um quinto resulta de mandado, que é precedido por trabalho investigativo.

O sistema de Justiça impõe que as prisões em flagrante se desdobrem em prisão preventiva, em liberdade provisória ou que sejam declaradas nulas (quando há o relaxamento da prisão). Desde julho de 2011, ainda pode haver a transformação da prisão em medidas alternativas.

Mas o que a pesquisa evidencia foi que, apesar do princípio constitucional da presunção da inocência, a regra nos flagrantes (antes da condenação) foi manter a prisão.

O furto, por exemplo, que é um crime patrimonial sem violência ou ameaça, aparece com uma alta incidência entre os presos em flagrante (26% de todos os casos).

Entre os condenados, a incidência do furto como tipo penal era de apenas 15%. "Essa diferença indica que muitas das pessoas mantidas presas em flagrante por furto não serão condenadas a uma pena privativa de liberdade", diz o relatório do Sou da Paz.

"Isso mostra o emprego abusivo da prisão provisória. É uma opção danosa ao acusado, dispendiosa e desproporcional em relação ao delito cometido", afirma Helena Malzoni Romanach, coordenadora do Sou da Paz.

"O Dipo deveria ser um órgão garantidor dos direitos dos presos, contra abusos policiais e prisões ilegais. Mas, na dúvida, prende-se", diz Luciana Guimarães, diretora do Sou da Paz.

sábado, 12 de maio de 2012

6 ANOS DE MÃES DE MAIO: DO LUTO À LUTA!

Mães de Maio organizam shows e missa em Santos para relembrar mortos dos crimes de maio de 2006

12/05/2012 - 13h57

Elaine Patricia Cruz
Repórter da Agência Brasil

São Paulo - À véspera da comemoração do Dia das Mães, as chamadas Mães de Maio vão homenagear hoje (12) seus filhos que foram mortos em decorrência dos ataques de 2006, ocorridos há exatos seis anos em São Paulo e atribuídos a confrontos entre membros da organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) e policiais.

As Mães de Maio, grupo que foi criado em Santos logo após a série de ataques, programaram uma série de atos para este final de semana no litoral paulista. Hoje (12) estão previstos shows de rap e de música popular, intervenções culturais, saraus e uma homenagem aos mortos, programada para as 18h, na Praça da Paz Celestial, em Santos. Para amanhã (13), foi marcada uma missa na Igreja Santa Margarida Maria, às 7h da manhã, em Santos.

Segundo Rodolfo Valente, militante da Rede 02 de Outubro, uma das entidades organizadoras do evento, a ideia do ato é resgatar a luta contra o extermínio da população jovem, negra e pobre do Brasil, maiores vítimas da criminalidade no país. “Isso já acontecia antes dos crimes de maio, teve esse grande ápice nos ataques de maio [de 2006] e continua até hoje. A ideia é rememorar essa luta e continuá-la”, disse.

“Temos um grande problema no Brasil que é com a verdade. O Brasil vira a página sem esclarecer sua história. Desde a ditadura, os crimes cometidos pelo Estado não foram esclarecidos. Há também o Massacre do Carandiru, que faz 20 anos este ano [que resultou na morte de pelo menos 111 presos], e os próprios crimes de maio. São todos crimes cometidos por agentes de Estado que não foram punidos. Não há responsabilização. Isso perpetua uma cultura que existe desde sempre no Brasil: de massacre às populações mais vulneráveis”, disse Valente.

Uma das vítimas desses ataques foi Edson Rogério Silva dos Santos, de 29 anos, gari e filho de Débora Maria da Silva, uma das fundadoras da organização Mães de Maio. Segundo Débora, seu filho foi morto por policiais no dia 15 de maio de 2006, na Baixada Santista, depois de tentar abastecer sua moto num posto. Em novembro do ano passado, o Tribunal de Justiça responsabilizou o governo de São Paulo a pagar uma indenização para Débora pela morte de seu filho.

Em entrevista hoje (12) à Agência Brasil, Débora disse que, passados seis anos dos ataques de maio, os crimes ainda continuam impunes. “Esperamos ainda que aconteça justiça para podermos construir a paz”, disse Débora. Segundo ela, após a onda de ataques, muitas outras mortes, envolvendo principalmente jovens pobres, continuam ocorrendo na Baixada Santista. “É a faxina da pobreza que acontece, não só na Baixada Santista, como no Brasil como um todo”, falou.

Essas mortes, segundo Débora, poderiam ser evitadas se houvesse investimento em políticas sociais. “Não se investe em políticas sociais. Por isso continua existindo desigualdade. O governo precisa investir na parte humana das instituições policiais e desmilitarizar a polícia. Só vamos ter êxito contra as execuções sumárias quando se desmilitarizar a polícia. Basta de coronelismo”, disse.

“Estamos gritando há seis anos. Isso não é uma página virada. É uma página virada para ele [o Estado], que não tem filhos que morreram. Mas para as mães não é uma página virada”, protestou Débora, reforçando que o movimento continuará lutando pela condenação dos culpados pelos crimes.

Nos ataques de 2006, ocorridos entre os dias 12 e 20 de maio, 493 pessoas foram mortas, entre elas, 43 agentes públicos. Um estudo feito pela Justiça Global, divulgado no ano passado, apontou que, em 71 casos, houve fortes indícios de evolvimento de policiais membros de grupos de extermínio.

Edição: Fábio Massalli

quinta-feira, 10 de maio de 2012

IMPORTANTE: Pastoral Carcerária publica nota sobre atual situação das prisões em São Paulo


NOTA PÚBLICA DA PASTORAL CARCERÁRIA SOBRE A ATUAL SITUAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL DE SÃO PAULO

São Paulo, 10 de maio de 2012

A Pastoral Carcerária vem, pela presente nota pública, manifestar a sua profunda preocupação com a atual situação do sistema prisional paulista.

Como se sabe, São Paulo detém aproximadamente um terço de toda a população prisional brasileira, fração que tende a aumentar.

Atualmente, conta-se, a cada mês, por volta de 2.700 pessoas a mais no sistema prisional. Mantida essa média, chegaremos ao final do ano com cerca de 210.000 pessoas adultas presas em São Paulo.

Decorrência direta desse aumento vertiginoso da população carcerária, a superlotação hoje se reflete nas 85.838 pessoas presas além da capacidade legal do sistema prisional paulista.

Infelizmente, ainda se socorre da política de expansão carcerária a pretexto de resolver o problema da superlotação: o Governo anuncia a construção de 39 mil vagas até 2015, com custo estimado em R$ 1,5 bilhão de reais.

Se a intenção é de fato conter a superlotação, a estratégia de construir novas unidades é, no mínimo, insuficiente: caso a população prisional siga crescendo da maneira que está e mesmo que as prometidas 39 mil vagas sejam construídas, em 2015 teremos um déficit de 180.000 vagas (número que corresponde à população aferida em dezembro de 2011!).

Em agravo a esse quadro já crítico, notamos um total descaso com os direitos mais básicos da pessoa presa: apenas 8% têm acesso a alguma forma de educação; somente 12% exercem atividade remunerada; o serviço de saúde é manifestamente frágil, com quadro técnico incompleto e diversos casos de graves doenças e até de óbitos oriundos de negligência; em celas onde cabem apenas 12, aglutinam-se mais de 40 pessoas.

Não bastassem todas essas mazelas, ainda outro atentado contra a humanidade é observado com frequência intolerável: a tortura. São dezenas de denúncias apuradas pela Pastoral Carcerária e encaminhadas ao Judiciário e ao Ministério Público, instâncias que, lamentavelmente, pouco têm feito para coibir essa prática odiosa.

O mesmo Judiciário e o mesmo Ministério Público são também responsáveis pelo ingente número de pessoas presas sem necessidade real. São recorrentes os abusos na utilização da prisão cautelar. Também não se ignora a enorme quantidade de pessoas presas por crimes sem violência ou grave ameaça.


Impunidade, aqui, apenas para os “bem-nascidos”. Nossa população mais pobre (sobretudo os jovens e negros) é refém de uma história de injustiças sociais de séculos e que, ainda hoje, se desenrola em um sistema prisional extremamente seletivo e cruel.

Demandas sociais são tratadas com endurecimento penal. O resultado está nesse sistema carcerário superlotado e degradante, onde mais de 180 mil pessoas (repita-se: a maioria jovem, pobre e negra) estão literalmente acuadas.

Nesse contexto, surpreende-nos, ainda, a notícia de que o Governo de São Paulo pretende entregar à iniciativa privada a construção e a administração de novas unidades prisionais.
Obviamente, o custo da prisão aumentará, até porque não há iniciativa privada desprovida de apetite pelo lucro. Aquelas mesmas pessoas alijadas do exercício dos mínimos direitos fundamentais serão agora insumos para a iniciativa privada.

Não precisamos construir mais unidades prisionais, tampouco podemos admitir que a restrição à liberdade seja objeto de exploração pela iniciativa privada!

Apesar de uma em cada 171 pessoas adultas estar presa em São Paulo, as taxas de criminalidade continuam ascendentes. Parece claro que essa política de encarceramento em massa, longe de responder aos anseios sociais por segurança pública, apenas interessa a quem é ávido por lucrar com o sistema prisional e com a reprodução da cultura de violência.

A Pastoral Carcerária é veementemente contrária à violência, seja de quem e contra quem for. Exatamente por isso, vem a público externar a sua preocupação com a atual situação do sistema prisional paulista, cujos malfeitos apontados nos fazem temer pelo pior.

Pelas razões expostas, instamos as autoridades públicas a adotarem todas as providências necessárias para reduzir substancialmente a população carcerária e para (antes de pensar em construir qualquer nova unidade) estruturar as unidades existentes com os equipamentos e com os profissionais adequados à promoção dos direitos básicos inscritos na Constituição da República e na Lei de Execução Penal.

Deyvid Tadeu Livrini Luiz
Coordenador da Pastoral Carcerária do Estado de São Paulo – CNBB Sul 1

Talita Coelho de Melo
Coordenadora Jurídica da Pastoral Carcerária do Estado de São Paulo – CNBB Sul 1

Pe. Valdir João Silveira
Coordenador da Pastoral Carcerária Nacional – CNBB

Rodolfo Valente
Assessor Jurídico da Pastoral Carcerária Nacional – CNBB

terça-feira, 10 de abril de 2012

Vídeo - Carandiru: O massacre ainda não terminou

Aí vai um vídeo da Rede 2 de Outubro, sobre o Massacre do Carandiru e o Sistema Carcerário.
Este material é uma contribuição aos debates em torno dos 20 anos do massacre.
E é, principalmente, um convite a outros movimentos, coletivos e entidades e quem quiser somar, a participar dessa caminhada conosco.


quinta-feira, 5 de abril de 2012

PM DE SÃO PAULO DEVERÁ FICAR AINDA MAIS TRUCULENTA: NÃO PODEMOS ACEITAR!

Recebemos a informação extra-oficial de que a PM de SP deverá ficar ainda mais truculenta a partir de agora, com a confirmação da saída do coronel Álvaro Batista Camilo de seu comando. Embora já tenha assumido, em caráter provisório, o coronel Pedro Batista Lamoso, a tendência é que outro nome assuma em definitivo a partir de maio.

Dentre os nomes cogitados, em meio a fortes disputas internas à polícia, o nome mais cotado para assumir a corporação em definitivo parece ser o do coronel César Augusto Franco Morelli, atual chefe da Tropa de Choque e amigo particular do secretário Antonio Ferreira Pinto. A informação é que os dois são íntimos desde os tempos em que o secretário da Segurança Pública ainda atuava no Ministério Público Estadual.

Morelli não é da corrente do coronel Camilo e, com a sua chegada, todos os postos de comando da PM deverão ser trocados. A linha que vigora atualmente na Tropa de Choque deverá se espraiar por toda a corporação. Dentre várias ações recentes, Morelli e seus comandados atuaram com truculência na região da Luz (vulga “Cracolândia”), em desocupações violentas na USP e no Massacre do Pinheirinho.

A possibilidade de o comandante de recentes massacres executados pela PM assumir o comando de toda corporação parece fazer parte do desejo do Governador Alckimin de premiar justamente aqueles que deveriam prestar contas de seus abusos e de seus crimes.

Em novembro do ano passado, Salvador Modesto Madia, responsável pela execução de 78 pessoas no Massacre do Carandiru (1992), foi nomeado para o comando das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar - ROTA. ROTA que, como já alertamos em nota publicada à época da nomeação, atua nas periferias de São Paulo e que, apesar de não chegar a corresponder a 0,5% de todo o efetivo da Polícia Militar, é responsável por cerca de 20% dos homicídios cometidos por essa corporação.

Nós da Rede Dois de Outubro, dos movimentos populares e de direitos humanos, não podemos aceitar uma polícia ainda mais repressiva e violenta!

Pelo fim dos massacres, exigimos um novo nome minimamente comprometido com direitos e garantias fundamentais, sobretudo daquelas  pessoas mais vulneráveis, característica que o Sr. Morelli já demonstrou inúmeras vezes não ter.


REDE 2 DE OUTUBRO - PELO FIM DOS MASSACRES


quarta-feira, 7 de março de 2012

Homenagem à Irmã Maria Emília Guerra Ferreira

Em 27 de dezembro último faleceu a Irmã Maria Emília Guerra Ferreira, uma personagem singular na luta pelos direitos humanos das maiorias empobrecidas e excluídas em nosso país. Ao longo dos últimos quarenta anos, atuou em diferentes frentes e causas. Entre os anos 70 e 80 erradicou-se em comunidades eclesiais de base na região Nordeste do país levando seu trabalho transformador, fortemente ancorado no movimento da Teologia da Libertação, às populações lá instaladas, afetadas pela seca, pela fome e pelo abandono do Estado. Em São Paulo manteve, até sua morte, uma atuação permanente junto à população de rua, mas foi o trabalho qualificado e incansável que empreendeu com presas e presos no sistema carcerário paulista a partir dos anos 80, o que levou Maria Emília às lutas mais árduas em sua jornada, marcando de modo significativo a história contemporânea das prisões em São Paulo.
Sua primeira inserção no sistema carcerário foi no ano de 1985, levada pelas mãos do Padre Macedo, representante da Pastoral Carcerária à época, passando a atuar durante muitos anos como voluntária na Casa de Detenção do Carandiru, tempo em que vivenciou um dos maiores extermínios cometidos pelo Estado brasileiro pós- redemocratização: o Massacre do Carandiru, em 1992. Como resultado de anos de atuação e reflexão junto a esse universo, Maria Emília publicou, em 1996, o livro A produção da Esperança numa situação de opressão: Casa de Detenção de São Paulo, fruto de sua dissertação de mestrado na PUC/SP, obra de importância ímpar para a memória do sistema prisional brasileiro, e que se encontra hoje esgotado.
 Paralelamente ao trabalho na Casa de Detenção, Maria Emília atuou como psicóloga do hoje extinto Departamento de Saúde do Sistema Penitenciário, se destacando pelo trabalho emancipador realizado com doentes mentais, e também por sua militância incansável pelos direitos das mulheres encarceradas. Maria Emília foi uma importante precursora da luta pelos direitos dessas mulheres, ao chamar a atenção sobre a violência de gênero que o Estado promovia (e promove) contra as presas, a desatenção às suas especificidades, e sobre a iniquidade de direitos entre homens e mulheres também no universo da prisão. Maria Emília foi uma das primeiras pessoas, se não a primeira, a erguer a bandeira pelo direito das encarceradas à visita íntima, direito que só seria s elas garantido no Estado de São Paulo em 2001, 16 anos depois de sua concessão aos homens encarcerados.  
Por sua luta pelos diretos concernentes à saúde dos presos, foi convidada, em 1997, pelo então Secretário da Administração Penitenciária João Benedito de Azevedo Marques, a dirigir o hoje extinto Hospital Central do Departamento de Saúde, o único no sistema para presos e presas soropositivos em estágio avançado. Num tempo em que a AIDS acometia mais fatalmente suas vítimas, e sobretudo a população prisional, Maria Emília reinventou o espaço hospital-prisão nos anos em que o dirigiu, transformando discursos em verdadeiras práxis.
Desde 2009 passou a integrar, na qualidade de conselheira, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, empenhando-se em mais uma luta fulcral à democracia brasileira: o direito à verdade e à justiça.
Sua memória estará preservada não apenas nos feitos que promoveu, mas no coração daqueles em que ela tocou, com vigor, ternura e solidariedade, suas marcas.