"Todo camburão tem um pouco de navio negreiro..." |
A violência sistemática empregue pelo
sistema penal se tornou mais evidente à classe média desde que as lutas
travadas nas ruas se intensificaram em junho do ano passado.
De lá para cá, o Estado estendeu
seu aparato repressor contra todas as pessoas
que se prontificam a atuar politicamente fora dos caducos espaços
institucionais, demarcados para o exercício da “grande política”, processo que
foi acentuado pelo espetáculo futebolístico neoliberal promovido pela FIFA, com
sua inerente política de lei e ordem.
O resultado é a atual
criminalização dos movimentos sociais e a identificação do “vândalo” como mais um inimigo público. Estudantes e
professores universitários voltam a ser alvos de prisões e torturas. As sessões
de socos e chutes pelas quais passaram Fábio Hideki, Rafael Marques e Murilo
Magalhães e o inquérito persecutório sobre Camila Jourdan são apenas alguns exemplos.
Massacre do Carandiru - 2 de outubro de 1992 |
Entretanto, os encarceramentos arbitrários e espancamentos efetuados em delegacias,
penitenciárias, prisões para jovens e nas ruas e vielas das grandes cidades são
práticas já bem conhecidas pela população marginalizada brasileira. Não é
de hoje que agentes policiais surram pessoas jovens e adultas, pretas e pobres
e depositam seus corpos vivos ou quase vivos em pocilgas fétidas superlotadas
que constituem o gigantesco parque carcerário do país, o terceiro maior do
planeta. Atualmente, são mais de 700 mil pessoas presas no Brasil, das quais
mais de 60% são negros.
Também não é de hoje que o Estado brasileiro prende sem provas e mantém
centenas de milhares de pessoas encarceradas sem condenação definitiva (quase
metade da população prisional brasileira está nessa situação). Em 2012, somente
entre as pessoas presas provisoriamente, mais de 70% sofreram algum tipo de
agressão policial no instante em que foram capturadas.
As prisões de ativistas ao longo dos últimos meses escancaram os
procedimentos diários do sistema de justiça. Espantados, muitos
manifestantes reclamam o caráter político das perseguições e aprisionamentos,
invocando a velha distinção entre preso político e preso comum. Parecem querer
reservar a si os aspectos injustos da clausura, do sequestro estatal e das
agressões físicas que obrigatoriamente o acompanham.
É necessário lembrar, no entanto,
que o sistema penal, ao contrário do que
é oficialmente propagado, não existe para combater a criminalidade, mas sim
para controlar e dividir o povo preto
que sobrevive às precariedades das quebradas e que, organizado, poderia derrubar esse sistema de injustiças que
nos massacra todos os dias.
A prisão é um instrumento
político por excelência. Basta olhar um pouco mais de perto aquelas e aqueles
que a ela são enviada/os: em sua imensa maioria, por acusação de pequeno
tráfico de drogas ou dos chamados “crimes contra o patrimônio”. No primeiro
caso, desdobramento direto de uma política proibicionista que tira daí o seu
próprio lucro. No segundo, expressão concreta da defesa da propriedade privada
que, no capitalismo, vale mais do que a liberdade de mais de 200 mil
“favelados”, “muleques de rua”, “más mães” ou “indigentes” sob privação de
liberdade atualmente por furtos ou roubos.
Mumia Abu Jamal |
Se a prisão é uma estratégia
política de contenção e eliminação física de pessoas indesejadas pela alta
sociedade, está claro o bastante que toda
prisão é uma prisão política. As abomináveis prisões de ativistas no Brasil
somam-se às abomináveis prisões que recaem histórica e infalivelmente sobre a
população pobre do país. A revisitada criminalização dos movimentos sociais
junta-se à velha criminalização da miséria.
Convém, portanto, àquelas e àqueles que lutam por uma
sociedade sem classes e opressões, que se unam, desde baixo, à luta e à
resistência contra o sistema penal e contra o genocídio que por meio
daquele segue em fúnebre marcha. Por uma
vida sem classes, grades, racismo e machismo, provocamos todas as
companheiras e todos os companheiros a abdicarem das pequenas tentações
liberais e a se engajarem na desconstrução da seletividade desde as práticas
militantes.
Liberdade ao povo pobre já!
Liberdade a todas as pessoas
presas!
Por uma vida sem grades e sem
opressões!
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