
Franco da
Rocha é uma cidade que agrupa um número exorbitante de pessoas presas com as
condições mais insalubres possíveis. Para adultos temos a Penitenciária I –
Mario de Moura Albuquerque; Penitenciária II – Nilton Silva; Penitenciária III
de Franco da Rocha; o Centro de Detenção Provisória Feminino; o Centro de
Progressão Penitenciária de Franco da Rocha; o Hospital de Custódia I – Prof.
André Teixeira Lima e o Hospital de Custódia II de Franco da Rocha. Quanto aos
adolescentes, a cidade de Franco da Rocha encarcera em 5 unidades da Fundação
CASA, sendo o CASA (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente) Franco
da Rocha em uma extremidade da cidade e outras 4 unidades (CASA Novo Tempo,
CASA Rio Negro, CASA Jacarandá e CASA Tapajós) localizadas em um grande
complexo, que deveria ter sido desativado há quase 10 anos com as medidas de
descentralização desenvolvidas na transição de FEBEM para Fundação CASA.
Essas “cadeias” só
aparecem na mídia quando ocorre alguma “rebelião”, normalmente televisionada
pelos “datenas” e “rezendes” da vida, mostrando todo o “horror” que aqueles
“criminosos” estão causando, mas pouco
se mostra sobre as condições destas unidades prisionais, pouco se fala dos espancamentos
diários, da superlotação, da alimentação, das doenças, da solidão.
Assim, a Rede 2 de
Outubro, um coletivo anticapitalista e abolicionista da cidade de São Paulo, que
nasce em torno do não esquecimento do Massacre do Carandiru e atentando para os
massacres diários nas unidades prisionais de adultos e adolescentes, em que alguns/algumas
de seus/suas integrantes já trabalharam nas
“cadeias” de jovens e adultos da cidade de Franco da Rocha, escreve este
material com o objetivo de sensibilizar a população da cidade sobre o que vem
acontecendo nas “cadeias” de Franco.
No dia 8 de junho de 2015 ocorreu uma “rebelião” na chamada CASA Rio
Negro, localizada dentro do Complexo de Franco da Rocha, noticiada
principalmente via televisão e por alguns sites na internet. Como dissemos
anteriormente com uma visão geral e que também se aplica aqui, essas notícias
anunciam somente o que ocorre neste “tumulto” e não as condições e as dinâmicas
de funcionamento das unidades da Fundação CASA; desta forma, gostaríamos de
apontar algumas situações que vivenciamos dentro das unidades e também
apontamentos de jovens que passaram pelo CASA Rio Negro e pelas outras unidades
prisionais de Franco da Rocha durante os anos de 2012, 2013, 2014 e 2015.
Entre as 5 unidades de atendimento
socioeducativo de Franco da Rocha, talvez a mais “sangrenta” seja o CASA Franco
da Rocha. Durante este período retratado, temos relatos de diversos
espancamento aos jovens nesta unidade, de pessoas responsáveis pela segurança
de lá ameaçarem familiares, de funcionários falarem para adolescentes que vão
abusar sexualmente de seus parentes, de funcionários da segurança ameaçarem
professores/as durante as aulas e de seguirem estas/es mesmos/as educadores/as
até o ponto de ônibus, ameaçando-os/as a todo momento. Nesta unidade também há narrativas
sobre adolescentes terem perdido partes dos dedos presos em portas da unidade,
ameaças de estupros de funcionários com jovens e até de um adolescente que foi
queimado em seu quarto, cujos funcionários alegavam que foram outros jovens que
fizeram isto. Além de toda esta barbárie, o CASA Franco da Rocha também foi
conhecido em 2013 por ser uma unidade que proibia a entrada do ECA (Estatuto da
Criança e do Adolescente) no centro e que também anotava o nome de todos os
livros que os/as professores/as traziam, inclusive avaliando qual teria
autorização para entrar e qual não.
Dentro das 4 outras
unidades localizadas no Complexo, a situação não é muito diferente. O CASA Jacarandá é conhecido por ter um
Diretor que agride os adolescentes com suas próprias mãos e que depois vem
oferecer doces aos jovens em troca de silêncio; há relatos de agressões realizadas
por funcionários contra os jovens e também de violências sexuais de
funcionários com adolescentes em um “apêndice” da Jacarandá que é conhecido
como “casinha”, local que agrupa adolescentes com menor estatura e mais novos e
também aqueles que cometeram algum delito que, por consequência deste, não
“podem” conviver com outros jovens, como casos de estupro. A unidade entra em
uma lógica onde os adolescentes “pagam na mesma moeda” do ato infracional que
cometeu. O CASA Tapajós é também uma
unidade que ao longo desses anos é marcada por casos de agressões de
funcionários a adolescentes. Outra questão da unidade é sobre sua estrutura
- há relato de jovens que ficaram um bom tempo dormindo em “valete” e até mesmo
no chão. O CASA Novo Tempo é considerado
uma unidade “modelo”, pois possui normas disciplinares rígidas e
controladoras, as quais delimitam cada
passo, cada respiro do adolescente. É
considerada pelos adolescentes como uma unidade que “aboba” a pessoa, por
adotar atividades infantis com os jovens; é considerada por educadoras/es como
uma unidade que proíbe discussões, onde não se pode pensar além de conteúdos
meramente técnicos. A Novo Tempo também é uma unidade em que já houve relatos
de agressões de funcionários/as com jovens. Por fim - e não menos “sangrenta”- é o CASA Rio Negro, unidade que é
marcada principalmente pelas agressões que dispensam aos seus jovens
encarcerados, mas de forma mais velada, por exemplo agredindo jovens em
locais do corpo que não estão expostos a terceiros e também pela frequente
ameaça que seus funcionários fazem aos professoras/es e demais funcionários/as
que não são da segurança, inclusive ameaçando estes/as do lado de fora da
unidade. Há relatos de um adolescente que se declarou homossexual dentro da
unidade e que foi espancado e colocado de “tranca”, nome dado à solitária
(juridicamente cárcere privado), muito utilizada como estratégia nos centros da
Fundação CASA.
Estes são alguns relatos
do que já vivenciamos e também de adolescentes que estiveram atrás das grades
na cidade de Franco da Rocha. Não
acreditamos que estas unidades possam ser “humanizadas”, mudando de gestão, de
funcionários, de nome. Acreditamos que
diariamente em todas as unidades da Fundação CASA do Estado de São Paulo,
ocorrem violações aos direitos humanos e que a única forma de evitar que
isto aconteça é fazer com que estas unidades deixem de existir. Já está mais do
que provado que não adianta mudar o nome de FEBEM para Fundação CASA, isto não
muda o fato de encarcerar jovens, de tirar suas adolescências com o argumento
do ato infracional, tendo em vista que eles são cometidos pela ausência do
Estado em estruturar as necessidades básicas como saúde, educação, cultura aos
jovens das periferias de São Paulo e de Franco da Rocha e também pela lógica do
consumismo injetado agressivamente dia após dia, nos dizendo o que precisamos
ter pra ficarmos finalmente satisfeitos.
O fim das prisões não se dará sem a
luta pelo fim do capitalismo, um sistema que mói gente não só na esfera do
trabalho, mas em todas as dimensões de nossa vida, até as mais íntimas. Por
isso acreditamos que toda prisão é uma prisão política, porque a prisão cumpre
o papel de punir e afastar as pessoas indesejáveis pro sistema. A função da prisão nunca foi a de reeducar, reinserir, ressocializar, senão de tornar
o capitalismo mais bem-sucedido pra quem se beneficia dele.
Acreditamos que existam outros caminhos para resolver conflitos que não
sejam aqueles aos quais estamos acostumados: as decisões de nossas vidas
retiradas de nossas mãos e colocadas nas 'mãos do Estado' e nas algemas da
polícia. Esses
caminhos não estão prontos, mas serão mais legítimos quando pensados pelas
pessoas que sofrem pela atuação desse mesmo Estado e da polícia, que sempre
agiram perversa e violentamente para com as pessoas pobres, pretas e
periféricas e assim e continuarão a agir.
Através
destas palavras pretendemos contar um pouco do que a mídia não nos conta sobre
as unidades prisionais; almejamos sensibilizar o povo de Franco da Rocha que
seus jovens são violentados de todas as formas nas unidades da Fundação CASA –
e que eles vão sair com mais ódio do que quando entraram nas unidades, e este
ódio retornará à sociedade da mesma forma que se aplica a eles dentro da
Fundação CASA. População de Franco da
Rocha, fique atenta! A próxima enchente que acontecer na cidade será a do
sangue dos jovens presos nas unidades da Fundação CASA.
REDE 2 DE OUTUBRO – CONTRA OS MASSACRES
PELO FIM DA FUNDAÇÃO CASA!
Junho/2015
rede2deoutubro@riseup.net
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