Nota pela célere aprovação do PLC 58/2013
As organizações e movimentos
sociais subscritos vêm, por meio da presente nota, declarar seu apoio à
aprovação do PLC 58/2013, ora em trâmite no Senado Federal, que altera o Estatuto
da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) com o objetivo de assegurar a
convivência da criança e do adolescente com os pais privados de liberdade.
Em
nossa atuação no sistema carcerário, temos sido testemunhas dos vários e
praticamente insuperáveis obstáculos impostos pelas instâncias penitenciárias e
judiciais para que mães e pais privados de liberdade possam legitimamente conviver
com seus filhos e filhas, levando às mais graves e cruéis violações aos direitos
da criança, do adolescente e da pessoa em situação de privação de liberdade que se
têm atualmente presenciado.
Entre
algumas dessas afrontas, destacamos as recorrentes negações, legitimadas e perpetradas
pelo Poder Judiciário, aos direitos das mães e pais encarcerados de receberem
visitas periódicas de seus filhos e filhas, mormente quando estes se encontram
em acolhimento institucional. Com isso, pais, mães, filhas e filhos são impedidos
de conviver, o que não só inviabiliza a construção de seus vínculos afetivos e familiares,como afeta diretamente
o direito das crianças e das mães presas ao aleitamento materno e ao exercício
da maternidade digna.
Mas,
ainda mais grave, e igualmente não raras, têm sido as destituições do poder
familiar processadas a total revelia das mães e pais presos, que sequer chegam a
ser ouvidos no processo.
Dada
a insuficiência das regras atualmente presentes nos artigos 158 e 159[1] do
Estatuto da Criança e do Adolescente para eficazmente garantir o direito à
defesa e assistência jurídica da pessoa encarcerada, as ações judiciais de destituição do poder familiar são, na prática,
instauradas e processadas ao total desconhecimento dos pais e mães privados de
liberdade, os quais, na maior parte das vezes, só vêm a tomar conhecimento
do processoao saber que suas filhas e filhos foram encaminhados à adoção, nada
mais lhes restando a fazer. Ou, então, nos casos em que o acolhimento não seja
institucional, no momento do cumprimento da ordem judicial, quando as crianças
são literalmente arrancadas de suas mães ou de seus familiares.
Não
ignoramos que muito desse cenário deve-se principalmente à burocratização que
assola as nossas instituições penitenciárias e judiciais conjugada, é claro, à
resistência dos atores que nelas atuam em efetivar direitos à pessoa presa. Contudo,
ao invés de enfraquecer, essa conjuntura somente acentua a necessidade de
termos uma legislação que esmiúce e garanta de fato os direitos das crianças e
dos adolescentes de conviverem com suas mães e pais privados de liberdade.
Por
óbvio, a presente alteração legislativa deve vir acompanhada de uma mudança da
mentalidade e das práticas que há tempos permeiam o Judiciário e as
administrações prisionais. Todavia, ela não deixa de ser o primeiro, e talvez
mais importante, passo para revertermos esse quadro e mudarmos essa realidade.
Para
finalizar, destacamos mais um dos fatores que apontam a imprescindibilidade
dessa mudança legislativa: o encarceramento massivo e seletivo de mulheres.
Segundo
recentes dados divulgados pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen)[2], entre
2000 e 2012 a população carcerária feminina aumentou 256%, ultrapassando e muito
o número de encarceramentos masculinos verificados durante o mesmo período (130%).
Esse
crescente e seletivo processo de criminalização das mulheres está intimamente
atrelado à ausência de garantias e às práticas que obstam o exercício livre e
digno da maternidade, uma vez que a imensa
maioria das mulheres capturadas pelo sistema de Justiça Criminal é composta por
mães solteiras, principais ou únicas responsáveis pelo cuidado e sustento dos
filhos, muitas vezes desempenhando a função de chefes de família, num contexto
de extremas dificuldades sócio-econômicas.
Conscientes
dessa dinâmica que sujeita a parcela das mulheres que são mães a um tratamento
punitivo com relação ao exercício de sua maternidade e que a elas atribui a
responsabilidade quase exclusiva pelo cuidado com os filhos, é urgente a
concretização de uma política criminal que faça frente tanto à dramática
realidade dessas mães privadas da convivência com seus filhos como ao encarceramento
em massa e seletivo que lhes é imposto.
Assegurar à mãe e ao pai privados
de liberdade o exercício da maternidade e da paternidade com dignidade e à
criança e ao adolescente o direito a visitas periódicasa mãe e/ou pai em
privação de liberdade, propiciando a convivência entre eles, bem como efetivar
condições adequadas de acesso à justiça das mães e pais presos,
possibilitando-lhes decidir sobre a guarda de seus filhos, ou ainda evitar que
a condenação criminal implique, por si só, em destituição do poder familiar, são exigências mínimas da concretização
do princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, inciso III da
Constituição da República, e de direitos e garantias fundamentais basilares, previstos
tanto na nossa Constituição como em documentos internacionais de proteção dos
direitos humanos, dos quais citamos a Convenção sobre os Direitos da Criançae
as Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas não
Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras (“Regras de Bangkok”).
Na
oportunidade, apresentamos, no documento anexo, parecer técnico com dados mais
específicos relativos à proposição.
Por todas as razões aqui
colocadas, pedimos urgência na aprovação do PLC 58/2013, o qual altera o
Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990,
com o objetivo de assegurar a convivência da criança e do adolescente com os
pais privados de liberdade.
ASSINAM:
ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA – AJD
COLETIVO DESENTORPECENDO A RAZÃO – DAR
COLETIVO FEMINISTA DANDARA
COLETIVO YABÁ
CONECTAS
GRUPO DE ESTUDOS E TRABALHO MULHERES ENCARCERADAS
INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS – IBCCRIM
INSTITUTO DE DEFESA DO DIREITO DE DEFESA – IDDD
INSTITUTO PRÁXIS DE DIREITOS HUMANOS
INSTITUTO TERRA, TRABALHO E CIDADANIA – ITTC
JUSTIÇA GLOBAL
MÃES DE MAIO
MARCHA MUNDIAL DAS MULHERES
NÚCLEO ESPECIALIZADO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE – NEIJ/DPESP
NÚCLEO ESPECIALIZADO DA SITUAÇÃO CARCERÁRIA – NESC/DPESP
PASTORAL CARCERÁRIA
PROMOTORAS LEGAIS POPULARES DE SP
REDE 2 DE OUTUBRO
SERVIÇO FRANCISCANO DE SOLIDARIEDADE – SEFRAS
UNIÃO DE MULHERES
[1] Art. 158. O
requerido será citado para, no prazo de dez dias, oferecer resposta escrita,
indicando as provas a serem produzidas e oferecendo desde logo o rol de
testemunhas e documentos.
Parágrafo único.
Deverão ser esgotados todos os meios para a citação pessoal.
Art. 159. Se o
requerido não tiver possibilidade de constituir advogado, sem prejuízo do
próprio sustento e de sua família, poderá requerer, em cartório, que lhe seja
nomeado dativo, ao qual incumbirá a apresentação de resposta, contando-se o
prazo a partir da intimação do despacho de nomeação.
[2] Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-07-25/numero-de-presidiarias-mais-que-triplicou-em-12-anos-segundo-depenAcesso em 22/09/2013.
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