sexta-feira, 8 de novembro de 2013

PELO FIM DO ESTADO DE EXCEÇÃO CONTRA MÃES E PAIS ENCARCERAD@S



Nota pela célere aprovação do PLC 58/2013

As organizações e movimentos sociais subscritos vêm, por meio da presente nota, declarar seu apoio à aprovação do PLC 58/2013, ora em trâmite no Senado Federal, que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) com o objetivo de assegurar a convivência da criança e do adolescente com os pais privados de liberdade.
Em nossa atuação no sistema carcerário, temos sido testemunhas dos vários e praticamente insuperáveis obstáculos impostos pelas instâncias penitenciárias e judiciais para que mães e pais privados de liberdade possam legitimamente conviver com seus filhos e filhas, levando às mais graves e cruéis violações aos direitos da criança, do adolescente e da pessoa em situação de privação de liberdade que se têm atualmente presenciado.
Entre algumas dessas afrontas, destacamos as recorrentes negações, legitimadas e perpetradas pelo Poder Judiciário, aos direitos das mães e pais encarcerados de receberem visitas periódicas de seus filhos e filhas, mormente quando estes se encontram em acolhimento institucional. Com isso, pais, mães, filhas e filhos são impedidos de conviver, o que não só inviabiliza a construção de seus vínculos afetivos e familiares,como afeta diretamente o direito das crianças e das mães presas ao aleitamento materno e ao exercício da maternidade digna.
Mas, ainda mais grave, e igualmente não raras, têm sido as destituições do poder familiar processadas a total revelia das mães e pais presos, que sequer chegam a ser ouvidos no processo.
Dada a insuficiência das regras atualmente presentes nos artigos 158 e 159[1] do Estatuto da Criança e do Adolescente para eficazmente garantir o direito à defesa e assistência jurídica da pessoa encarcerada, as ações judiciais de destituição do poder familiar são, na prática, instauradas e processadas ao total desconhecimento dos pais e mães privados de liberdade, os quais, na maior parte das vezes, só vêm a tomar conhecimento do processoao saber que suas filhas e filhos foram encaminhados à adoção, nada mais lhes restando a fazer. Ou, então, nos casos em que o acolhimento não seja institucional, no momento do cumprimento da ordem judicial, quando as crianças são literalmente arrancadas de suas mães ou de seus familiares.
Não ignoramos que muito desse cenário deve-se principalmente à burocratização que assola as nossas instituições penitenciárias e judiciais conjugada, é claro, à resistência dos atores que nelas atuam em efetivar direitos à pessoa presa. Contudo, ao invés de enfraquecer, essa conjuntura somente acentua a necessidade de termos uma legislação que esmiúce e garanta de fato os direitos das crianças e dos adolescentes de conviverem com suas mães e pais privados de liberdade.
Por óbvio, a presente alteração legislativa deve vir acompanhada de uma mudança da mentalidade e das práticas que há tempos permeiam o Judiciário e as administrações prisionais. Todavia, ela não deixa de ser o primeiro, e talvez mais importante, passo para revertermos esse quadro e mudarmos essa realidade.
Para finalizar, destacamos mais um dos fatores que apontam a imprescindibilidade dessa mudança legislativa: o encarceramento massivo e seletivo de mulheres.
Segundo recentes dados divulgados pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen)[2], entre 2000 e 2012 a população carcerária feminina aumentou 256%, ultrapassando e muito o número de encarceramentos masculinos verificados durante o mesmo período (130%).
Esse crescente e seletivo processo de criminalização das mulheres está intimamente atrelado à ausência de garantias e às práticas que obstam o exercício livre e digno da maternidade, uma vez que a imensa maioria das mulheres capturadas pelo sistema de Justiça Criminal é composta por mães solteiras, principais ou únicas responsáveis pelo cuidado e sustento dos filhos, muitas vezes desempenhando a função de chefes de família, num contexto de extremas dificuldades sócio-econômicas.
Conscientes dessa dinâmica que sujeita a parcela das mulheres que são mães a um tratamento punitivo com relação ao exercício de sua maternidade e que a elas atribui a responsabilidade quase exclusiva pelo cuidado com os filhos, é urgente a concretização de uma política criminal que faça frente tanto à dramática realidade dessas mães privadas da convivência com seus filhos como ao encarceramento em massa e seletivo que lhes é imposto. 
Assegurar à mãe e ao pai privados de liberdade o exercício da maternidade e da paternidade com dignidade e à criança e ao adolescente o direito a visitas periódicasa mãe e/ou pai em privação de liberdade, propiciando a convivência entre eles, bem como efetivar condições adequadas de acesso à justiça das mães e pais presos, possibilitando-lhes decidir sobre a guarda de seus filhos, ou ainda evitar que a condenação criminal implique, por si só, em destituição do poder familiar, são exigências mínimas da concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, inciso III da Constituição da República, e de direitos e garantias fundamentais basilares, previstos tanto na nossa Constituição como em documentos internacionais de proteção dos direitos humanos, dos quais citamos a Convenção sobre os Direitos da Criançae as Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras (“Regras de Bangkok”).
Na oportunidade, apresentamos, no documento anexo, parecer técnico com dados mais específicos relativos à proposição.
Por todas as razões aqui colocadas, pedimos urgência na aprovação do PLC 58/2013, o qual altera o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, com o objetivo de assegurar a convivência da criança e do adolescente com os pais privados de liberdade.

ASSINAM:



ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA – AJD
COLETIVO DESENTORPECENDO A RAZÃO – DAR
COLETIVO FEMINISTA DANDARA
COLETIVO YABÁ
CONECTAS
GRUPO DE ESTUDOS E TRABALHO MULHERES ENCARCERADAS
INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS – IBCCRIM
INSTITUTO DE DEFESA DO DIREITO DE DEFESA – IDDD
INSTITUTO PRÁXIS DE DIREITOS HUMANOS
INSTITUTO TERRA, TRABALHO E CIDADANIA – ITTC
JUSTIÇA GLOBAL
MÃES DE MAIO
MARCHA MUNDIAL DAS MULHERES
NÚCLEO ESPECIALIZADO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE – NEIJ/DPESP
NÚCLEO ESPECIALIZADO DA SITUAÇÃO CARCERÁRIA – NESC/DPESP
PASTORAL CARCERÁRIA
PROMOTORAS LEGAIS POPULARES DE SP
REDE 2 DE OUTUBRO
SERVIÇO FRANCISCANO DE SOLIDARIEDADE – SEFRAS
UNIÃO DE MULHERES
 





[1] Art. 158. O requerido será citado para, no prazo de dez dias, oferecer resposta escrita, indicando as provas a serem produzidas e oferecendo desde logo o rol de testemunhas e documentos.
Parágrafo único. Deverão ser esgotados todos os meios para a citação pessoal.
Art. 159. Se o requerido não tiver possibilidade de constituir advogado, sem prejuízo do próprio sustento e de sua família, poderá requerer, em cartório, que lhe seja nomeado dativo, ao qual incumbirá a apresentação de resposta, contando-se o prazo a partir da intimação do despacho de nomeação.

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