segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Você sabia que perto de onde você está recebendo este panfleto há uma unidade da Fundação CASA?

Você sabia que perto de onde você está recebendo este panfleto há uma unidade da Fundação CASA?

Além do que a Globo, Record, Bandeirantes, Folha de São Paulo, Estadão e outras empresas de comunicação falam sobre, você sabe o que realmente acontece dentro daquele lugar?

Você já conheceu alguém que ficou preso/a em uma unidade da Fundação CASA ou da FEBEM? Já escutou o que essas pessoas têm a falar sobre suas vivências?

A história do Estado brasileiro criando medidas para “cuidar” de suas crianças e adolescentes pode ser contada desde o início do século passado. Antes de 1927, o Estado não diferenciava crianças e adolescentes de adultos. Todos passavam pelos mesmos processos jurídicos, iam para as mesmas cadeias e trabalhavam nas mesmas desgraçadas fábricas. Depois da criação do Código de Menores (1927), rola a efetiva institucionalização da juventude pobre, preta e periférica, prendendo jovens em situação de rua e aqueles/as que cometeram algum ato infracional nas Colônias Agrícolas, Centros de Recuperação e Patronatos dirigidos pelo Serviço de Assistência ao Menor (SAM). Filhos/as de ricos/as não entravam aí, já que estes locais foram feitos apenas para aqueles que não tinham dinheiro e influência para se defender.
Foram durante as duas ditaduras que o Brasil teve uma maior estruturação desta lógica de atuação, na época de Vargas no Estado Novo (décadas de 30 e 40) e durante a ditadura civil militar brasileira (1964 – 1985), vindo o já citado SAM em 1942 e além disso, também a Política de Bem Estar do Menor (PNBEM) e a Fundação Nacional do Bem Estar do Menor (FUNABEM) em 1964 e a Fundação do Bem Estar Social do Menor (FEBEM) em 1976.
Uma lógica jurídica voltada ao controle social de crianças e adolescentes “abandonados” e “infratores”, através da imposição do trabalho e da educação como ferramentas para a adequação destes/as jovens ao contexto político, social e econômico, em outras palavras se prendia (e continua se prendendo) jovens da periferia forçando-os/as a trabalhos e estudos tendo em vista a formação de mão de obra subalterna, lógica que continua existindo para servir a elite. Este período também marca o início das mais bizarras violências aplicadas a estes/as jovens, desde as humilhações, xingamentos, imposição de trabalhos a até práticas de torturas, estupros e espancamentos, claro, visando a “reintegração” dessas pessoas a sociedade.
Em 1990 veio o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e através dele a especificação das medidas protetivas (para menores de 12 anos) e a socioeducativa (para maiores de 12 até 18 anos), colocando a criança e adolescente como “sujeitos de direito”. Mas a verdade é que o ECA efetivou o controle sócio-penal de jovens com bases no direito penal adulto, reafirmando a punição e o controle social através do discurso socioeducativo. Em outras palavras, o ECA separou jovens “abandonados” de jovens “infratores” e estruturou as cadeias para jovens, aquelas mesmas que espirraram sangue nos anos 1990, onde pessoas eram decapitadas, funcionários/as esquartejados/as e mães agonizavam na frente das unidades.
Diante de tantos horrores televisionados, o presidente da FEBEM na época e atual Secretário Estadual de Segurança Pública, Alexandre de Morais, deixou o posto para Berenice Gianella, indicada a dedo por Geraldo Alckmin, que veio com um novo nome e toda uma proposta de descentralização, uma história de incompletude institucional, maior controle interno, atendimento individualizado, dentre outras estratégias.

Este novo nome (Fundação Casa) de forma alguma desviou o foco desta instituição em promover as mais diversas violações de direitos dos/as adolescentes. Espancamentos, torturas, humilhações, estupros e todas as formas de violação de direitos continuaram, só que agora sem grande cobertura e acompanhamento da mídia - a não ser nas tentativas de ampliar o discurso de ódio e de vingança, nos tentando convencer que aqueles lugares estão repletos de monstros, e o melhor a se fazer é reduzir a maioridade penal, por exemplo, e transformando o medo no verdadeiro governante de nossas vidas – tudo tem sido eficientemente escondido pela Berenice e seus/suas capangas.
Nem todos os complexos foram desativados, as instituições que atuam dentro da Fundação CASA mais acobertam as violações do que a denunciam, o controle sobre os corpos de adolescentes foi mais estruturado (medicalização e torturas sem deixar marcas), fora o corpo pedagógico que, se na maioria das vezes não se manifesta em relação às violações, em muitas as incentiva. Toda essa história para dizer para você, que está recebendo este panfleto e que mora, trabalha e circula nas proximidades de uma unidade da Fundação CASA, que este lugar é um depósito de jovens que são jogados/as e espancados/as diariamente. A tentativa de adestramento através do espancamento e demais humilhações obviamente tem um resultado óbvio: a molecada vai sair com mais ódio do que entrou e quem vai pagar por isso é a população de São Paulo.
Precisamos pensar em novas formas de lidar com os conflitos diários, em formas que envolvam nós mesmos, a população, e não o Estado, a polícia, a/o juiz. Mais de 20 mil jovens cumprem medida socioeducativa em São Paulo e destes pelo menos 10 mil está preso/a. Quando acabar esta medida você acha que ele/ela vai conseguir algum trabalho? Acha que o Estado vai ajudar? NÃO! A/o jovem voltará para o mesmo lugar de onde saiu, com as dificuldades que já tinha antes e com as novas, de ser agora também taxado pelo sistema socioeducativo. Não podemos mais permitir que nossa juventude seja presa, que condicionem o futuro desta molecada.
Além de pensarmos em alternativas para os conflitos e tensões diárias, temos que pensar também que a cadeia não é solução para ninguém. Prender a pessoa é apenas isolá-la da sociedade, é apenas afirmar que esta pessoa teve uma conduta anti-social e que, portanto, ela deve passar um tempo guardada no inferno. Não se trabalha com a conduta anti-social, não se problematiza as questões junto à vítima e a/o infrator/a. Mas então o que colocar no lugar das cadeias, o que faremos?
Em uma sociedade pautada no consumo, onde o ‘ter’ é mais importante do que o ‘ser’, onde o capital dita as regras, onde as cadeias passaram a dar lucro, talvez seja difícil pensar em um mundo sem cadeias, já que ela cumpre um papel social bem definido pela elite, o de prender as pessoas pobres, pretas e periféricas, as pessoas ‘incômodas’.
Também não acreditamos na humanização do cárcere, em reformar as cadeias até elas ficarem minimamente suportáveis, mas acreditamos sim que através da divulgação e problematização das informações do que ocorre lá dentro, no fortalecimento de ações de familiares de pessoas presas, no fortalecimento das pessoas presas e também através de manifestações públicas, podemos minimamente pautar a cadeia, pautar a Fundação CASA como uma aberração paulista.
Desta forma, gostaríamos de convidar você e quem mais achar que pode somar para ir na sexta-feira, dia 2 de outubro, às 17h no Largo São Francisco, para se juntar a diversos movimentos sociais da cidade de São Paulo, no ato que vai lembrar os 23 anos do Massacre do Carandiru, onde pelo menos 111 pessoas foram assassinadas pela Polícia Militar. Lembrando do Massacre do Carandiru, vamos pautar “NEM REDUÇÃO, NEM FUNDAÇÃO”, pontuando que não queremos a redução da maioridade penal, porque não acreditamos que a prisão é a solução. Queremos o fim da Fundação Casa! Nossa juventude não precisa de cadeia, precisa de liberdade para sonhar num futuro que não seja dominado pelo capital!



*Texto escrito pela Rede 2 de Outubro para ser panfletado durante a “Semana de Luta contra a violência do Estado” (27.09.15 – 03.10.15) nos arredores das unidades da Fundação CASA da cidade de São Paulo. 


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